19/11/2012

Conto 1: O Amor vence tudo!

                                                                                                                         Fonte da imagem: AQUI.

 "abriu-se um gigantesco buraco com um diâmetro de mais de 20 metros, diante dos seus olhos incrédulos."
  
   Como acontecia sempre que tinha reuniões na escola de manhã, Artur levantou-se cedo. Após um duche rápido, fez a barba, pôs o seu desodorizante preferido e desceu as escadas em passo de corrida, saindo pela garagem.
   No carro, a esposa, já com o pé no acelerador, esperava-o. Linda como sempre estava, repreendeu-o docemente:
               -- Estava a ver que não vinhas. Tens de passar a levantar-te mais cedo, meu preguiçoso!
   Ele justificou-se como pôde. Que não tinha a força de vontade dela, que até se tinha esforçado, sobretudo depois do estranho sonho que tivera.
   Perante o interesse dela, ele explicou que do sonho se lembrava distintamente de estar a cair num buraco sem fundo mesmo à entrada da escola. Tinha sido salvo pelo toque do despertador! Para ela, o sonho não queria dizer nada e devia-se ao hábito de estar a ver o AXN ou a FOX até tarde. “Muito tarde!”, concluiu ela com um tom de censura. Mas Artur insistia que aquela queda no vazio o impressionara muito, pois parecia mesmo real…
   Entretanto, chegaram à estação da Fertagus. Tomaram o pequeno-almoço mais ou menos habitual quando comiam fora: duas meias de leite, uma escudela estaladiça com pouca manteiga e uma miniatura de bolo de amêndoa amorosamente partilhada. Conversaram sobre as tarefas que iriam ocupar-lhes o longo dia até ao reencontro às 23h45.
   Despediram-se com um beijo breve e um olhar cúmplice.
   Invadido por um sentimento estranho e indefinível, Artur entrou na segunda carruagem do comboio proveniente de Setúbal e sentou-se, enquanto passava na instalação sonora a canção No More, No More, dos Aerosimth. Pressentiu que havia ali algo de premonitório…
   Cerca de uma hora depois, depois de ter mudado de comboio em Sete Rios, chegou à estação do Cacém. Estranhou não ver ninguém à entrada da escola. Foi então que viu a Diretora que, vinda do interior, se aproximava do portão. Artur transpôs a entrada e saudou-a:
               -- Olá, cara Diretora! Vai tomar um cafezinho?
   E aproximou-se para lhe dar um beijo, dado que não se viam desde a interrupção do Natal. Mesmo antes de os seus lábios cumprirem a intenção do cumprimento, sentiu-se rodopiar como um pião e em velocidade crescente. A Diretora tinha desaparecido. Os carros, as árvores, o edifício central, a entrada, tudo se tinha transformado numa massa escura, indistinta, movendo-se vertiginosamente em círculo, como se de um tufão se tratasse. Artur quase não conseguia abrir os olhos e sentia dores nos ouvidos, de tal forma o barulho que vinha de dentro da terra, oscilando entre rugidos e assobios, lhe massacrava os tímpanos.
   Quando estava a começar a reconhecer o cenário do sonho que tivera durante a noite, abriu-se um gigantesco buraco com um diâmetro de mais de 20 metros, diante dos seus olhos incrédulos. Parecia não ter fundo e do interior saía fumo e ar quente. Artur estava petrificado e, sem conseguir reagir, foi sugado violentamente. Num misto de surpresa e de terror, gritou um AHHHHH arrepiante, mesmo antes de perder os sentidos e desaparecer no negrume daquela cratera.
   À noite, Flor estranhou a ausência das mensagens de Artur. Atribuiu o facto à irremediável distração do marido e dirigiu-se para a estação à hora habitual.
   Artur não veio no comboio previsto. Nem no seguinte. Nem no outro.
   Flor telefonou para a escola, mas, dado o adiantado da hora, ninguém atendeu. Regressou a casa e foi a uma agenda antiga procurar os números de alguns dos colegas dele. Nenhum o tinha visto na escola. A Diretora dizia não ter a certeza de o ter visto… Ficou desesperada. Contactou hospitais, morgues, a polícia, mas do homem da sua vida… nada! O seu estado era indescritível. Ao sentar-se no sofá, desfaleceu!
   Acordou muito cedo. Sem se dar conta, uma força estranha fê-la dirigir-se ao computador que ele lhe oferecera há menos de uma semana e ligá-lo. Ficou a olhar para o teclado, desorientada, sem saber o que fazer. Quando começava a reconstituir o puzzle do inexplicável desaparecimento do marido, viu-o! Sim, viu-o a olhá-la e a sorrir-lhe no lado superior direito do Ambiente de Trabalho, no interior do computador. Gesticulava e fazia-lhe sinais. Foi de mais para ela! Perdeu os sentidos e caiu desamparada no chão da sala.
   Passadas umas horas, voltou a si. E lá continuava ele a sorrir-lhe, como que a dizer-lhe: “Então?”
   Como sempre fora uma mulher prática, lançou-se à tarefa de encontrar uma forma eficaz de comunicarem: ela escrevia em folhas A4 e mostrava-lhas; ele usava a mímica. De tal forma a estratégia foi eficaz, que, menos de uma hora depois, já riam e interagiam como se aquela separação absurda não existisse…
   Ele não sabia explicar-lhe como tinha ido ali parar e só se recordava de ter caído naquele abismo negro. Depois de muito “conversarem”, estabeleceram uma lista de procedimentos para evitar pôr em perigo a vida de Artur: nunca desligar o computador, adquirir o antivírus mais poderoso que houvesse no mercado, não enviar nada para a reciclagem e nunca usar a tecla delete nem a função “cortar”.
   Embora em espaços diferentes, têm-se um ao outro, comunicam e são felizes! Vivem um dia de cada vez e não pensam no futuro, pois esse, como sabemos, não está garantido em nenhuma relação…
 
Conto de António Pereira
 

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