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"abriu-se um gigantesco buraco com um diâmetro de mais de 20 metros , diante dos seus olhos incrédulos."
Como acontecia sempre que tinha
reuniões na escola de manhã, Artur levantou-se cedo. Após um duche rápido, fez
a barba, pôs o seu desodorizante preferido e desceu as escadas em passo de
corrida, saindo pela garagem.
No carro, a esposa, já com o pé no acelerador, esperava-o.
Linda como sempre estava, repreendeu-o docemente:
--
Estava a ver que não vinhas. Tens de passar a levantar-te mais cedo, meu
preguiçoso!
Ele justificou-se como pôde. Que não
tinha a força de vontade dela, que até se tinha esforçado, sobretudo depois do
estranho sonho que tivera.
Perante o interesse dela, ele explicou que do sonho se
lembrava distintamente de estar a cair num buraco sem fundo mesmo à entrada da
escola. Tinha sido salvo pelo toque do despertador! Para ela, o sonho não
queria dizer nada e devia-se ao hábito de estar a ver o AXN ou a FOX até tarde.
“Muito tarde!”, concluiu ela com um tom de censura. Mas Artur insistia que
aquela queda no vazio o impressionara muito, pois parecia mesmo real…
Entretanto, chegaram à estação da
Fertagus. Tomaram o pequeno-almoço mais ou menos habitual quando comiam fora:
duas meias de leite, uma escudela estaladiça com pouca manteiga e uma miniatura
de bolo de amêndoa amorosamente partilhada. Conversaram sobre as tarefas que
iriam ocupar-lhes o longo dia até ao reencontro às 23h45.
Despediram-se com um beijo breve e um
olhar cúmplice.
Invadido por um sentimento estranho
e indefinível, Artur entrou na segunda carruagem do comboio proveniente de
Setúbal e sentou-se, enquanto passava na instalação sonora a canção No More, No More, dos Aerosimth.
Pressentiu que havia ali algo de premonitório…
Cerca de uma hora depois, depois de ter
mudado de comboio em Sete Rios, chegou à estação do Cacém. Estranhou não ver
ninguém à entrada da escola. Foi então que viu a Diretora que, vinda do interior,
se aproximava do portão. Artur transpôs a entrada e saudou-a:
-- Olá, cara Diretora! Vai tomar um
cafezinho?
E aproximou-se para lhe dar um
beijo, dado que não se viam desde a interrupção do Natal. Mesmo antes de os
seus lábios cumprirem a intenção do cumprimento, sentiu-se rodopiar como um
pião e em velocidade crescente. A Diretora tinha desaparecido. Os carros, as
árvores, o edifício central, a entrada, tudo se tinha transformado numa massa
escura, indistinta, movendo-se vertiginosamente em círculo, como se de um tufão
se tratasse. Artur quase não conseguia abrir os olhos e sentia dores nos
ouvidos, de tal forma o barulho que vinha de dentro da terra, oscilando entre
rugidos e assobios, lhe massacrava os tímpanos.
Quando estava a começar a reconhecer o
cenário do sonho que tivera durante a noite, abriu-se um gigantesco buraco com
um diâmetro de mais de 20
metros , diante dos seus olhos incrédulos. Parecia não
ter fundo e do interior saía fumo e ar quente. Artur estava petrificado e, sem
conseguir reagir, foi sugado violentamente. Num misto de surpresa e de terror,
gritou um AHHHHH arrepiante, mesmo antes de perder os sentidos e desaparecer no
negrume daquela cratera.
À noite, Flor estranhou a ausência das
mensagens de Artur. Atribuiu o facto à irremediável distração do marido e
dirigiu-se para a estação à hora habitual.
Artur não veio no comboio previsto. Nem
no seguinte. Nem no outro.
Flor telefonou para a escola, mas, dado
o adiantado da hora, ninguém atendeu. Regressou a casa e foi a uma agenda
antiga procurar os números de alguns dos colegas dele. Nenhum o tinha visto na
escola. A Diretora dizia não ter a certeza de o ter visto… Ficou desesperada.
Contactou hospitais, morgues, a polícia, mas do homem da sua vida… nada! O seu
estado era indescritível. Ao sentar-se no sofá, desfaleceu!
Acordou muito cedo. Sem se dar conta, uma
força estranha fê-la dirigir-se ao computador que ele lhe oferecera há menos de
uma semana e ligá-lo. Ficou a olhar para o teclado, desorientada, sem saber o
que fazer. Quando começava a reconstituir o puzzle
do inexplicável desaparecimento do marido, viu-o! Sim, viu-o a olhá-la e a
sorrir-lhe no lado superior direito do Ambiente de Trabalho, no interior do
computador. Gesticulava e fazia-lhe sinais. Foi de mais para ela! Perdeu os
sentidos e caiu desamparada no chão da sala.
Passadas umas horas, voltou a si. E lá
continuava ele a sorrir-lhe, como que a dizer-lhe: “Então?”
Como sempre fora uma mulher
prática, lançou-se à tarefa de encontrar uma forma eficaz de comunicarem: ela
escrevia em folhas A4 e mostrava-lhas; ele usava a mímica. De tal forma a
estratégia foi eficaz, que, menos de uma hora depois, já riam e interagiam como
se aquela separação absurda não existisse…
Ele não sabia explicar-lhe como tinha ido ali parar e só se
recordava de ter caído naquele abismo negro. Depois de muito “conversarem”,
estabeleceram uma lista de procedimentos para evitar pôr em perigo a vida de
Artur: nunca desligar o computador, adquirir o antivírus mais poderoso que
houvesse no mercado, não enviar nada para a reciclagem e nunca usar a tecla delete nem a função “cortar”.
Embora em espaços diferentes,
têm-se um ao outro, comunicam e são felizes! Vivem um dia de cada vez e não
pensam no futuro, pois esse, como sabemos, não está garantido em nenhuma
relação…
Conto de António Pereira
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